terça-feira, 13 de agosto de 2013

O PLANETA DOS HUMANOS AGORA JÁ TEM 7 BILHÕES!


7 BILHÕES DE CONSUMIDORES, 1 PLANETA
EXTRAÍDO NA ÍNTEGRA DA EDIÇÃO Nº 681 REVISTA ÉPOCA

A nova geração dos países emergentes quer mais confortos modernos. Mas esbarra nos limites naturais da Terra. Como viveremos num mundo lotado?
Em seu Ensaio sobre o princípio da população, de 1798, o inglês Thomas Malthus fez uma previsão sombria. Como a população humana crescia em progressão geométrica e a produção de alimentos aumentava em progressão aritmética, no longo prazo o saldo desse descompasso seriam a fome e o aumento da mortalidade. Só a tragédia ajustaria o tamanho da população à oferta de alimento. Malthus viveu no período em que a humanidade atingiu a marca de 1 bilhão de pessoas. A partir de 31 de outubro, de acordo com a previsão das Nações Unidas, seremos 7 bilhões. E a questão malthusiana volta a se impor: haverá espaço, comida e recursos para todos?
Desde os tempos de Malthus, os humanos têm exercido um impacto brutal sobre a superfície, os oceanos e a atmosfera terrestres. Além de exaurir recursos naturais, destruir fauna e flora e erguer gigantescos monumentos artificiais – na forma de plantações, estradas, usinas, portos e aglomerações urbanas –, a ação humana tem sido tão extrema que, de acordo com os pesquisadores, tem alterado a própria geologia do planeta Terra. Para muitos cientistas, a Revolução Industrial – a época de Malthus – deveria marcar o início de um novo período geológico, batizado, em homenagem ao Homo sapiens, de Antropoceno. A Era dos Humanos.
A população avançou lentamente desde a evolução da espécie há 200 mil anos. Foi só há 10 mil anos, com a invenção da agricultura e o aumento na oferta de grãos, que o crescimento começou a acelerar (leia o gráfico). Ainda assim, continuou lento, regulado pela alta mortalidade. Epidemias, fome e guerras dizimavam milhões. Isso mudou desde o início da Era dos Humanos, com a introdução de vaci-nas e antibióticos e melhores técnicas agrícolas. Mesmo os conflitos armados ficaram mais restritos. Com melhores perspectivas, a huma-nidade prosperou – e se multiplicou.
Apesar das previsões trágicas de Malthus, a Era dos Humanos tem sido uma era de relativa abundância. Desde então, a produção agrícola, graças à tecnologia, acompanhou o aumento populacional. A bomba demográfica foi desarmada nos países ricos. Na Rússia e em seus antigos satélites, como a Geórgia, a população está até caindo. Em países de renda média, como o Brasil, a fertilidade, que era de até seis filhos por mulher nos anos 1960, caiu para taxas inferiores a 2,1 filhos, como resultado de avanços na educação e na saúde. No Brasil, os recém-nascidos já equivalem aos mortos – o suficiente para estabilizar a população em duas décadas. Mas, como um todo, a humanidade não parou de crescer. Na Índia, no mundo árabe e na África, as taxas de natalidade ainda são elevadas. As nigerianas têm em média 5,6 filhos.
Desde Malthus, passaram 130 anos até a humanidade chegar ao segundo bilhão, em 1930. No século passado, com a queda na mortalidade infantil e as conquistas da medicina, o ritmo acelerou. Em 1960, éramos 3 bilhões. Em 1974, 4 bilhões. Em 1987, 5 bilhões. Em 1998, 6 bilhões. E bastaram 13 anos para crescermos o último bilhão. Se as projeções (conservadoras) das Nações Unidas se confirmarem, e o crescimento mantiver o ritmo atual, seremos 8 bilhões em 2025 e 9 bilhões em 2043.
É verdade que, aos poucos, a taxa de natalidade tenderá a cair nos países que hoje mais crescem. Segundo as previsões dos demógrafos, em algum momento em torno de 2100 a população se estabilizaria pouco acima de 10 bilhões e depois declinaria lentamente. Mas, antes disso, será preciso construir centenas de milhões de casas, erguer milhões de hospitais e creches, abrir vagas escolares para bilhões de crianças e criar empregos para uma multidão equivalente a duas Chinas ou quase três Índias.
Garantir aos humanos condições dignas de vida e acesso aos bens de consumo é o maior desafio de nosso tempo. O ar das cidades nunca foi tão sujo, nem tamanha a sede por combustíveis. Na China, a economia cresce sem parar há duas décadas. A alta da construção civil absorve todo o ferro, alumínio, cobre e zinco que as mineradoras globais extraem do subsolo. A demanda mundial por matérias-primas, energia e comida joga para cima os preços e não dá sinais de ceder.
Em 1999, os indianos celebraram nas ruas quando o país passou a barreira de 1 bilhão de habitantes. Os políticos saudaram a conquista na televisão. Agora, a marca dos 7 bilhões inspira uma reação mais ambígua. São 7 bilhões com potencial criativo, capazes de produzir riqueza e progresso. Mas exigirão mais recursos de um planeta que chegou ao limite. O desafio para as próximas décadas é desenvolver novas formas de produção e criar novos padrões de consumo, para garantir que a humanidade caiba na Terra com conforto.

VAI FALTAR COMIDA?

Guilherme Giansanti 
Dieta Carnívora - O cearense Joaquim Pereira comeu churrasco pela primeira vez aos 21 anos. Hoje, com 38, come frango e peixe, “mas gosto mesmo é de carne vermelha”

A Vida está melhorando para o cearense Joaquim Pereira Neto, de 38 anos. “A primeira vez que comi um churrasco foi na final da Copa de 1994, na casa de um amigo”, diz. “Tinha 21 anos. Foi inesquecível.” Um ano antes, Joaquim deixara os sete irmãos e o pai em Ipueiras, no sertão do Ceará. Com a chegada no Rio de Janeiro, ficaram para trás os tempos de arroz e feijão no almoço e no jantar e carne de bode no domingo. Joaquim é porteiro de um prédio em Copacabana, bairro de classe média da cidade. Hoje, come carne todo dia. “Frango, peixe. Gosto de tudo. Mas prefiro mesmo é carne vermelha.” Joaquim não sente falta de salada. De vez em quando come cenoura, tomate, alface e beterraba. Ele é casado e tem um filho de 5 anos. “A geladeira está sempre cheia de iogurte e frutas. O menino adora leite. Sempre tenho maçã, pera e manga lá em casa”, diz, com orgulho.
 Os fazendeiros do planeta têm até 2043 – são só 32 anos – para elevar a produção de grãos em 60%
As conquistas de Joaquim são partilhadas por milhões de pessoas que nos últimos anos realizaram alguns sonhos de consumo. Em apenas uma década, segundo o Banco Mundial, 50 milhões de pessoas saíram da linha da miséria no Brasil. Com outros 200 milhões na Índia e 400 milhões na China. Essa multidão que vem conseguindo condições melhores de vida começa transformando sua dieta. Faz uma transição do menu exclusivamente vegetariano, com arroz e grãos como feijão, para ingredientes mais suculentos como frango e bife. Esse avanço é uma das maiores conquistas recentes da humanidade.
Mas essa dieta à base de carne consome mais recursos de um planeta cada vez mais esgotado. Por uma razão simples. Um hectare de terra produz 2,5 toneladas de grãos. A mesma área só produz 46 quilos de carne nas pastagens brasileiras. À medida que a população passa a comer mais carne, um grupo crescente de analistas começa a se preocupar se há área disponível para produzir o que todos desejam consumir.
Um dos primeiros sintomas do descompasso entre produção e demanda é a crise vivida hoje pela indústria mundial de alimentos. No início deste ano, o preço global da comida bateu recordes históricos. Protestos eclodiram pelo mundo. No Oriente Médio, o preço do pão foi o estopim para as revoltas populares que, desde 2010, derrubaram os regimes da Tunísia e do Egito, levaram a Líbia à guerra civil e são reprimidas na Síria e no Iêmen. Em 2009, o grupo dos países mais ricos (G8) atribuiu ao preço dos alimentos a mesma importância que à crise das hipotecas para a economia global. Neste ano, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, líder do grupo dos 20 principais países (G20), quer colocar a comida no topo da agenda. Segundo alguns, a era da comida barata acabou. E o problema deve piorar à medida que a população humana caminha para os s 9 bilhões, previstos para 2043, segundo a ONU. Mantendo os padrões atuais de consumo e as previsões para os próximos anos, os fazendeiros terão de elevar em 60% a produção de grãos, dos atuais 2,5 bilhões para 4 bilhões de toneladas. É um salto monumental. Equivale a dez vezes a produção do Brasil, o quarto maior produtor de grãos, que colherá em 2011 uma safra recorde de 153 milhões de toneladas. Como fazê-lo?
  
Os limites do planeta

Para alimentar 9 bilhões, o obstáculo é a falta de água e terra. São recursos escassos – sem substitutos

Fonte: Food and Agriculture Organization (FAO)Fonte: Food and Agriculture Organization (FAO) 
 Um dos limitadores é a quantidade de terra. Descontados os desertos, as altas montanhas e as calotas polares, a humanidade se apropriou de dois terços das terras aráveis do planeta. O terço restante é o último refúgio de milhões de espécies animais e vegetais ameaçadas de extinção. A opção pela expansão da área cultivada seria o caminho mais fácil para alimentar 9 bilhões de bocas. Bastaria continuar devastando, derrubar o que resta de matas, dizimar a biodiversidade, transformar os rios em criadouros de peixes e tornar o planeta uma imensa fazenda. Mas ninguém sabe até que ponto essa redução nas áreas selvagens e na biodiversidade provocaria alterações nos ciclos das chuvas e das pragas, afetando a própria agricultura.
Diante do dilema, alguns sugerem uma solução radical: a dieta vegetariana para todos. É a proposta do biólogo Edward O. Wilson, de 81 anos, da Universidade Harvard. Para Wilson, um dos mais respeitados conservacionistas do mundo, a produção mundial de grãos seria suficiente para alimentar 10 bilhões de indianos, cuja dieta básica é vegetariana. Em comparação, a mesma quantidade de grãos só poderia alimentar 2,5 bilhões de americanos, que usam a maior parte dos grãos para criar gado. Wilson propõe a frugalidade. Segundo ele, conviver com a escassez é parte da condição humana desde a evolução de nossa espécie, há 200 mil anos. Diante da atual explosão demográfica, aos bilhões de emergentes do mundo jamais seria concedido o direito de usufruir o padrão de vida dos americanos. Mesmo os mais afluentes teriam de ceder. “A população dos países ricos deve mudar seus hábitos alimentares para uma dieta vegetariana, ou a área mundial de terras aráveis precisará crescer 50%”, diz Wilson.
O problema seria convencer gente como o cearense Joaquim, que conquistou o direito a uma mesa farta para a família. Como privar do acesso à carne os membros da nova classe média mundial? “Como dizer a 1,3 bilhão de chineses que eles não podem comer carne, se comer carne tem sido um objetivo humano por milhares de anos?”, diz o jornalista americano Paul Roberts, autor de O fim do alimento. Ou mesmo os habitantes de países ricos. “Nos Estados Unidos, achamos que comer carne é um direito eterno. Seu consumo é considerado um índice de prosperidade”, diz Roberts.
Uma opção mais realista é apostar na tecnologia. Isso já aconteceu antes. Entre os anos 1940 e 1970, nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa, a produção agrícola cresceu mais rápido que em qualquer outro momento desde a invenção da agricultura, há 10 mil anos. A aplicação maciça da tecnologia no campo foi a responsável pelo salto. A expansão da mecanização rural e da irrigação teve papel importante. O mesmo se pode dizer dos fertilizantes, herbicidas e inseticidas. Os maiores ganhos decorreram da seleção de novas variedades resistentes às pragas e à seca. As novas sementes também podiam ser semeadas em intervalos menores, gerando mais plantas por hectare. E cada planta produzia mais grãos que as variedades tradicionais.

1 hectare de terra rende 45 sacos de soja. Mas a mesma área só produz 2,5 quilos de carne
Os ganhos foram tão impressionantes que o então gerente da agência americana para o desenvolvimento internacional, William Gaud, cunhou o termo Revolução Verde para designar o período. Na época – em plena Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética –, Gaud acreditava que investir na agricultura do Terceiro Mundo, fixando o homem no campo graças à revolução “verde”, evitaria a eclosão de revoluções “vermelhas” – ou comunistas. Essa ideia rendeu frutos na Ásia. Mas não na África. O continente viveu ondas de fome agudas nas últimas décadas – de Biafra a Ruanda – e tem tudo para se beneficiar dos avanços tecnológicos atuais.
Em boa parte da África Subsaariana, nem se usam fertilizantes. Lá, colhe-se em média 1 tonelada de trigo por hectare. Introduzindo os fertilizantes, inseticidas e a mecanização, a safra subiria a 5 toneladas por hectare, como na Argentina e na Índia. Ao usar sementes transgênicas, fazer a correção química do solo e investir em semeadeiras e colheitadeiras guiadas por satélite, atinge-se o teto de 10 toneladas por hectare. É o que se colhe nos EUA e na China. O cenário do trigo se repete nos casos da soja, do milho, do arroz, do feijão e do sorgo, os cereais da cesta básica mundial. O abismo que separa a produtividade africana das safras indianas e americanas mostra o caminho para elevar a produção.
Fonte: Food and Agriculture Organization (FAO) 
Floresta ou plantação?

A humanidade se apropriou de dois terços das terras férteis disponíveis. 
O terço restante abriga as últimas florestas. 
O mapa mostra onde estão as áreas degradadas passíveis de reflorestamento – e a melhor forma para recuperá-las.
  
Nas próximas décadas, a Revolução Verde deverá chegar às lavouras da África e das nações pobres da América Latina e da Ásia – justamente as regiões onde a ONU acredita que o crescimento demográfico se acentue daqui para a frente. Se os camponeses não conseguem comprar fertilizante e sementes de qualidade, eles podem ser subsidiados. Duas das maiores fundações filantrópicas do planeta, a Rockefeller e a de Bill Gates, se uniram em 2006 no projeto Aliança para a Revolução Verde na África (Agra). A meta é dar aos agricultores africanos acesso à terra, à água, às tecnologias sustentáveis, à educação e aos meios de escoar a safra. Em 2009, a Agra investiu US$ 400 milhões.
Na Índia e nos países de renda média, onde a Revolução Verde já rendeu frutos, os fazendeiros precisam agora dar o próximo salto: usar as sementes e as técnicas de última geração. Mas esse tipo de tecnologia dificilmente conseguirá reproduzir o milagre da Revolução Verde: um salto de 150% na produção agrícola, obtido nos últimos 40 anos. Para alimentar os 9 bilhões em 2043, seria necessário aumentá-la 60%. Mas as melhores tecnologias atuais elevariam a produção em até 50%, de acordo com Thomas Lumpkin, o gerente do Centro Internacional para a Melhoria do Milho e do Trigo da ONU.

 Eduardo Knapp
Uso sustentável - Roberto Chioquetta tem 4.000 hectares com grãos no Mato Grosso. Ele defende o fim do desmatamento e o uso da área devastada para expandir a lavoura

No caso dos gigantes da agricultura, qualquer ganho é ainda mais difícil. A China é o maior produtor mundial de grãos. Em 2008, colheu uma safra recorde de 530 milhões de toneladas. A China é também o melhor exemplo dos desafios a enfrentar. Montanhas e desertos cobrem dois terços de seu território. Sobra um terço para a agricultura. Todo hectare de solo disponível já foi ocupado. A única alternativa seria elevar a produtividade da área plantada. Isso também foi feito.
O mundo precisa de uma segunda Revolução Verde, capaz de solucionar três problemas. O primeiro é desenvolver sementes que germinem plantas ainda mais robustas. É um cenário possível, mas incerto. Há sinais de que as plantas manipuladas geneticamente estão atingindo seus limites biológicos. Uma boa comparação é o que acontece com os frangos geneticamente selecionados nas granjas. Eles engordam tanto e tão rápido que mal conseguem ficar em pé, sob o risco de fraturar as patas. Até que ponto uma espiga pode crescer antes que o pé de milho caia e morra?
O segundo problema é a falta d’água. O norte da China concentra 800 milhões da população total de 1,3 bilhão. Sofre com estiagens e tempestades de areia. Toda a água que poderia ser desviada para a irrigação já foi. Em consequência, o delta do Rio Amarelo, o sexto maior do mundo, seca desde 1971. Em 1997, ele parou de desaguar no Pacífico por 226 dias. O padrão se repete até hoje. Desde 1960, o nível de água nos lençóis freáticos caiu de centenas para dezenas de metros. E eles podem secar até 2020. Para a falta d’água, não há solução. As mudanças climáticas, o desmatamento, a erosão do solo e o consumo humano estão na raiz da intensificação das secas e da expansão dos desertos. Um ser humano precisa de 2 a 5 litros d’água por dia. Para produzir 1 quilo de grãos, usam-se de 500 a 2.000 litros. Para produzir 1 quilo de carne, consomem-se até 15.000 litros. Teremos de produzir grãos para mais 3 bilhões de humanos usando menos água que hoje. Em 2007, a China começou a substituir a produção de grãos, que usa irrigação, pela de frutas e verduras, que consome menos água. No mesmo ano, as exportações brasileiras de soja para a China explodiram. O que aconteceu foi uma terceirização. Os chineses decidiram conservar seus aquíferos e importar água brasileira, sob a forma de soja. A produção recorde chinesa de 2008 não se repetiu em 2009. A China, até então autossuficiente na produção de alimentos, se tornou uma importadora – de água na forma de comida.

Teremos de produzir comida para mais 3 bilhões de humanos usando menos água que hoje
O terceiro problema que a nova Revolução Verde deve solucionar é reinventar a produção de fertilizantes. Seu preço nunca foi tão alto. Para os países pobres, eles se tornaram um insumo proibitivo – embora essencial. A origem disso é o preço do gás natural, usado na produção de nitrogênio sintético, o principal ingrediente para os fertilizantes. Nada mostra que o preço do gás natural baixará. Os fertilizantes, portanto, continuarão caros. A opção é achar um substituto ao gás natural para produzir nitrogênio fertilizante.
Diante de tantos obstáculos, o Brasil é um caso privilegiado. Dos grandes produtores, somos o único que ainda tem água em abundância. Até 2020, poderemos ser autossuficientes na produção de fertilizantes, graças a um gasoduto que trará ao continente o gás natural da Bacia de Campos. Temos também terra disponível. O Brasil tem 846 milhões de hectares. A agricultura usa 61 milhões. Outros 196 milhões são pastagens, com 205 milhões de cabeças de gado, o segundo maior rebanho do mundo, atrás apenas da Índia. Temos centenas de milhões de hectares disponíveis para expandir a fronteira agrícola. Devemos usá-los? Podemos escolher desmatar todo o Centro-Oeste e a borda sul da Amazônia para semear soja, milho, arroz e feijão. Alimentaríamos o mundo. Mas o custo seria a destruição do que resta de Cerrado e de boa parte da Floresta Amazônica. A maior biodiversidade do mundo seria substituída pela monotonia da monocultura.
Podemos optar pela preservação, usando de forma sustentável as áreas degradadas. “A produção aqui no Mato Grosso, no Pará e em Rondônia pode crescer muito. Basta usar a área degradada”, diz o fazendeiro gaúcho Roberto Luiz Chioquetta, de 50 anos. Chioquetta planta 4.000 hectares de soja, milho e girassol em Campo Novo do Parecis, no Mato Grosso. Ele usa as tecnologias mais avançadas, como correção do solo por sensoreamento remoto e piloto automático via GPS em suas semeadeiras. O resultado é uma safra de até 58 sacas de soja por hectare, uma das maiores produtividades do mundo. Para produzir ainda mais, Chioquetta dá a receita: “Aqui na região, os pecuaristas mantêm apenas um boi por hectare. É muito pouco. Poderiam concentrar cinco bois por hectare. Liberariam quatro para a lavoura”. Para Chioquetta, é factível erradicar a fome e alimentar 9 bilhões de humanos até 2050. E o desafio pode ser alcançado sem devastar o meio ambiente.
Agora, só falta ele semear a ideia. 

UMA SAÍDA PARA AS MEGACIDADES


Elizabeth Dalziel / AP

EMPILHADOS

Prédios na cidade chinesa de Chongqing, uma das que mais crescem no país. Das 136 novas metrópoles que entrarão até 2025 na lista das 600 maiores do mundo, 100 estão na China.

Precisamente às 6 horas da manhã, o despertador de Lilian Garcia Martins toca na Vila Formosa, bairro de classe média na Zona Leste de São Paulo. A partir daí, começa a jornada da analista de crédito, de 35 anos, para chegar ao trabalho, às 8h30. O grande desafio de Lilian é se locomover em horário de pico na cidade. Como é difícil, pela lotação excessiva, pegar qualquer uma das linhas de ônibus que passam perto de sua casa e dão acesso ao metrô, o marido tem de levá-la ao terminal de embarque mais próximo. Ambos perdem cerca de 20 minutos de carro para fazer o trajeto. Só aí Lilian consegue entrar em um ônibus que a deixará a alguns metros da estação Tatuapé. Poucos minutos depois, ela volta a enfrentar o mesmo problema, no metrô. “Espero cerca de meia hora, todo dia, para conseguir entrar em um dos vagões. E sair é tão difícil quanto entrar”, diz.
Essa não é uma aventura exclusiva de Lilian. Na capital paulista, quem depende do transporte público tem uma rotina difícil. A falta de eficiência na mobilidade e a densidade populacional agravaram o frágil modelo de urbanização de cidades que crescem sem planejamento. O problema não é apenas de São Paulo, e vai além de complicações no transporte. Os moradores das grandes cidades do mundo – principalmente as que se expandem aceleradamente em países emergentes – enfrentam desafios como a degradação dos centros, o ar poluído, as enchentes e a falta de lugar para dispor o lixo. De acordo com a ONU, a previsão é que até 2020 a população urbana global atingirá 4,2 bilhões. Nos anos 1970, as dez maiores cidades do mundo somavam 114 milhões de pessoas. Em 2025, abrigarão 234 milhões. Até lá, segundo um estudo da consultoria McKinsey, 136 centros urbanos vão se tornar megacidades (aquelas com mais de 10 milhões de habitantes). Essa expansão das megalópoles está multiplicando os problemas da sociedade. Por outro lado, esses centros urbanos, com seus habitantes cada vez mais educados e remunerados, também parecem ser uma fonte de ideias inovadoras para melhorar a vida no planeta.
O crescimento urbano é cada vez mais um fenômeno dos países emergentes. Segundo o levantamento da McKinsey, as cidades crescerão principalmente no sul e no leste do globo, na China, Índia e América Latina. É um deslocamento no eixo tradicional. Em 1975, metade das dez maiores cidades do mundo estava nos países ricos. Hoje, só restaram Tóquio e Nova York. A explosão demográfica vai continuar com mais intensidade em economias emergentes do que em zonas desenvolvidas. Atualmente, as 600 maiores cidades do mundo (grupo chamado de C-600) estão quase todas localizadas no Primeiro Mundo. Esse grupo responde por 60% do PIB mundial. Nos próximos 14 anos, 136 novas metrópoles entrarão na lista dos gigantes. Dessas novatas, 100 estarão na China, 13 na Índia e oito na América Latina. Nenhuma das novas é do Brasil. Mas as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, que estão hoje na lista das maiores, deverão permanecer nela, com populações maiores. Em 2025 terão, respectivamente, 21 milhões e 12 milhões de habitantes. 

 Rogério Casimiro
A paulistana Lilian no metrô, a caminho do trabalho. 
Os trens da cidade são os mais lotados do mundo
Essas megacidades muitas vezes parecem inviáveis. As altas taxas de urbanização trazem pobreza, desemprego, transporte inadequado e a proliferação de assentamentos precários e favelas. Com a perspectiva de alterações climáticas trazidas pelo aquecimento global, o cenário poderá até piorar em alguns casos. Segundo o Relatório Global sobre Assentamentos Humanos 2011: Cidades e Mudanças Climáticas, lançado em março, as cidades são responsáveis por 70% dos gases que causam o aquecimento global. E pagam um preço pelas mudanças climáticas. Segundo dados da ONU, nas cidades litorâneas do norte da África, um aumento da temperatura de 1 a 2 graus célsius, previsto para o fim deste século, poderia fazer subir o nível do mar e expor entre 6 milhões e 25 milhões de habitantes a enchentes. Em todo o planeta, nos próximos 40 anos, a crise ambiental poderia gerar 200 milhões de refugiados, que buscariam novas casas ou novos países para viver.
Mas as cidades também oferecem o remédio para seus próprios males. Para a socióloga holandesa Saskia Sassen, da Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos, esses conglomerados urbanos, com influência política e econômica global, também aumentam a produtividade humana. Permitem que as pessoas se encontrem para trocar ideias e gerar iniciativas revolucionárias. Essas cidades abrigam sedes de empresas, centros de pesquisas e estimulam a diversidade cultural. Segundo o economista americano Richard Florida, o maior bem dessas cidades é uma nova classe criativa. São pessoas qualificadas, com alto grau de instrução, padrões mais flexíveis de comportamento e envolvimento tecnológico. “Elas querem experimentar novas emoções, ampliar o conhecimento e morar em lugares interessantes. Há uma ligação entre o local que as pessoas escolhem para viver, sua psicologia e como isso leva à criação de novos empreendimentos”, diz Florida.
O novo endereço da população global
Em 1975, metade das cidades da lista estava no Primeiro Mundo. Agora, só Tóquio e Nova
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As 10 maiores cidades - em milhões de habitantes

NOVO VISUAL

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Simulação em computador da nova área portuária do Rio de Janeiro. A cidade está aproveitando os preparativos da copa e das Olimpíadas para resolver alguns nós urbanos

Graças em parte a seus cidadãos, essas cidades vêm encontrando saídas inspiradoras para velhos problemas. Em Nova York, os próprios moradores de Manhattan se mobilizaram e criaram uma associação para recuperar um viaduto com uma linha de trem abandonada nos anos 1980. A linha, chamada High Line, foi transformada em um jardim suspenso no ano passado. A iniciativa valorizou os imóveis na região. Outro lugar que encontrou uma saída pouco convencional foi Seul, na Coreia do Sul. Em 2005, junto com o projeto de despoluição do Rio Cheonggyecheon, que corta a cidade, a prefeitura demoliu um viaduto construído sobre o curso d’água. Trocou o cimento e o asfalto por mais área verde. A média de temperatura na área diminuiu 3,6 graus célsius. Virou uma das principais áreas de lazer na cidade.
Às vezes, intervenções discretas têm grandes resultados. Nos Estados Unidos, a cidade de Portland implantou em 2004 um sistema de computador para gerenciar os semáforos de 135 cruzamentos. Ele muda os tempos dos sinais conforme o fluxo do trânsito, medido por câmeras na cidade. A mudança resultou em uma economia de quase 2 milhões de litros de gasolina por ano. Também reduziu as poluições sonora e atmosférica. Isso porque levou os motoristas a reduzirem a quantidade de vezes em que aceleram o carro depois de parar em um sinal vermelho. 
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Algumas dessas iniciativas foram comparadas no encontro C40 São Paulo Summit, evento que reuniu prefeitos e representantes de 36 metrópoles do mundo durante quatro dias em São Paulo na semana passada. “Todas as grandes cidades têm problemas com trânsito, alta emissão de gases poluentes e uso pouco eficiente de energia. Mas elas são diferentes umas das outras”, diz o britânico Simon Reddy, diretor executivo do evento. A saída é usar as experiências das outras cidades como fonte de inspiração, fazendo adaptações locais. A cidade de Jacarta, na Indonésia, fez sua própria versão de um sistema de ônibus rápido em vias exclusivas, o BRT (Bus Rapid Transit, em inglês), que deu certo em Bogotá, na Colômbia.
No Brasil, o Rio de Janeiro aproveita os preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 para resolver algumas mazelas. A prefeitura preparou um pacote de obras de cerca de R$ 3,5 bilhões que pretende melhorar o trânsito, a qualidade do ar e revitalizar o cais do porto, uma área próxima ao centro da cidade, que há mais de 30 anos aguarda investimentos. O porto é uma área nobre da cidade, que foi degradada nos últimos anos, principalmente após a construção de um elevado, que agora será demolido. O projeto, batizado de Porto Maravilha e orçado em R$ 380 milhões, pretende recuperar a área. As construções no novo porto terão uma legislação ambiental específica, mais rigorosa do que no resto da cidade. Os imóveis terão sistema de coleta e reaproveitamento da água de chuva.
A prefeitura vai plantar áreas verdes que somam o equivalente a sete vezes o bairro do Leblon. A cidade, que já tem a segunda maior rede de ciclovias da América Latina, atrás apenas de Bogotá, vai duplicar o espaço destinado às bicicletas. Serão 300 quilômetros de ciclovias. A medida mais importante deverá ser a implantação do sistema de ônibus no estilo BRT de Bogotá e Jacarta. Os ônibus rápidos ligarão 20 bairros. “Com eles, a parcela da população que usa transportes de massa vai passar de 16% para 50%”, diz o prefeito Eduardo Paes. “Isso vai melhorara qualidade de vida de todos.”

10 TECNOLOGIAS INOVADORAS

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Garantir o conforto para os 7 bilhões de habitantes da Terra, sem esgotar os recursos naturais, vai exigir uma dose inédita de inventividade. A boa notícia é que estamos passando por uma revolução tecnológica verde. Ela é alimentada por ideias que podem até parecer descabidas, como usar energia solar à noite ou transformar lixo em etanol. Mas que recebem apostas milionárias. Cerca de 25% do capital de risco investido nos Estados Unidos foi para o setor de tecnologias limpas em 2010, de acordo a consultoria americana Cleantech. No Brasil, o governo de São Paulo criou uma linha de crédito só para empresas “verdes” com soluções inovadoras. A Nossa Caixa Desenvolvimento já oferece empréstimos com condições especiais para quem cria tecnologias que ajudam a reduzir a emissão de gases de efeito estufa. A seguir, listamos as dez soluções mais criativas. Algumas estão no Bright green book (o livro verde do século XXI), lançado na semana passada pelo Conselho Euro-Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável.

  1. Turbina eólica doméstica

Curtain Wall

A força que vem do quintal

Até agora, as turbinas eólicas eram usadas mais por indústrias. A empresa italiana Pramac, que fabrica equipamentos de energia, criou uma linha de turbinas para quem deseja aproveitar a brisa do quintal de casa. Elas medem cerca de 3 metros de altura e produzem energia suficiente para abastecer uma casa. Além de produzir energia limpa, a turbina é um objeto de decoração. Suas hélices foram criadas pelo designer francês Philippe Starck. 

  2. Iluminação que custa pouco

Divulgação

O led pela metade do preço

A desvantagem das lâmpadas de LED sempre foi o preço. Elas custavam até 20 vezes mais que as lâmpadas comuns. A fabricante americana Brigdelux conseguiu reduzir esse valor quase pela metade. Passou a vender cada lâmpada por US$ 17 no mercado americano, onde ela custa pelo menos US$ 30. O segredo é uma técnica mais eficiente de produção. Os LEDs consomem até 80% menos energia que as tradicionais lâmpadas incandescentes e duram quase 20 anos. 

3.Reciclagem de orgânicos
4 toneladas de bagaço de cana geram 1 tonelada de papel

O papel feito com bagaço de cana
A empresa brasileira GCE Papéis passou a fabricar papel usando a celulose do bagaço de cana. A vantagem de usar um resíduo que seria descartado é não ter de cultivar o eucalipto especialmente para esse fim. Só em 2010 os canaviais brasileiros geraram 166 milhões de toneladas de bagaço. Para fabricar 1 tonelada de papel, é preciso 4 toneladas de bagaço de cana. O processo é feito em duas fábricas, uma instalada na Colômbia e a outra na Argentina. O papel tem preço similar ao produzido a partir do eucalipto.
  
4.Reúso de lixo
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O etanol produzido a partir do lixo
O lixo é levado a gaseificadores, equipamentos que transformam os resíduos sólidos em gás. Em seguida, o calor liberado gera energia para abastecer a usina. 
Um catalisador transforma o gás em etanol

A empresa americana Fulcrum Bioenergia, que desenvolve biocombustíveis, encontrou uma forma de reaproveitar o lixo urbano. Ele será usado como matéria-prima para o etanol (leia o quadro abaixo). O processo pode representar uma redução de até 75% na emissão de gás carbônico em relação à gasolina. A Fulcrum planeja produzir 7 milhões de litros de etanol por ano usando 90.000 toneladas de lixo. As obras da usina deverão começar no fim do ano nos EUA. O investimento será de US$ 120 milhões. 


5. Climatizador ecológico 
Climatizador econômico

A empresa holandesa OxyCom lançou um trocador de ar que gasta cerca 90% menos energia do que um ar-condicionado comum. O OxyCell X-Changer usa um princípio semelhante ao das moringas de barro. A água passa em um radiador, com pequenos furos, e evapora. No processo de evaporação, o radiador esfria. Um ventilador faz o ar passar pelo radiador resfriado e refresca o ambiente. 


  6. Painel solar de plástico 
A eletricidade flexível
   Divulgação

Os painéis solares da empresa americana Konarka são feitos com compostos plásticos. Esses painéis solares seriam mais baratos do que os tradicionais, feitos com silício e metais. Em vez das placas solares rígidas tradicionais, os painéis da Konarka são flexíveis, como filmes plásticos. Isso também reduz os custos de transporte e instalação. Permite o uso mesmo em superfícies macias, como toldos. 

7. Banco de ações ecológicas
Cada boa prática vale um cupom
   Reprodução
Um chip instalado na lixeira de casa calcula o peso dos itens recicláveis. A informação é captada pelo chip do caminhão a cada coleta e repassada ao banco. 
O sistema converte o peso em créditos Um chip instalado na lixeira de casa calcula o peso dos itens recicláveis. A informação é captada pelo chip do caminhão a cada coleta e repassada ao banco.
O sistema converte o peso em créditos

A empresa americana Recycle Rewards, que coleta materiais recicláveis, criou uma espécie de banco virtual. Quem adere ao sistema do banco de reciclagem RecycleBank recebe cupons por práticas como economia de energia ou reciclagem. Valem descontos em redes como Starbucks. Em alguns casos a empresa instala um chip em sua lata de lixo para monitorar a reciclagem. O serviço está disponível somente nos Estados Unidos e no Reino Unido. A empresa americana Recycle Rewards, que coleta materiais recicláveis, criou uma espécie de banco virtual. Quem adere ao sistema do banco de reciclagem RecycleBank recebe cupons por práticas como economia de energia ou reciclagem. Valem descontos em redes como Starbucks. Em alguns casos a empresa instala um chip em sua lata de lixo para monitorar a reciclagem. O serviço está disponível somente nos Estados Unidos e no Reino Unido. 

  8. Vidro térmico
A janela que gera energia elétrica

Bart van Over

A ideia dos sócios da empresa holandesa Peerplus foi corrigir o que consideram uma contradição da arquitetura: prédios com imensas janelas de vidro, que favorecem o aquecimento do ambiente, e gastos enormes para resfriá-lo com sistemas de ar condicionado. Cerca de 50% da energia consumida pelas cidades nos EUA e na Europa é usada para controlar a temperatura dos ambientes. A solução é um vidro que regula a intensidade da luz e a transforma em energia elétrica para abastecer parte do sistema de resfriamento. 
A ideia dos sócios da empresa holandesa Peerplus foi corrigir o que consideram uma contradição da arquitetura: prédios com imensas janelas de vidro, que favorecem o aquecimento do ambiente, e gastos enormes para resfriá-lo com sistemas de ar condicionado. Cerca de 50% da energia consumida pelas cidades nos EUA e na Europa é usada para controlar a temperatura dos ambientes. A solução é um vidro que regula a intensidade da luz e a transforma em energia elétrica para abastecer parte do sistema de resfriamento. 


9. Reciclagem eficiente

Um plástico usado com cara de novo
É possível economizar 75% de energia com a nova técnica de reciclagem 

Os plásticos reciclados podem ser tão resistentes quanto os materiais que deram origem a eles. Uma forma mais eficiente de reaproveitá-los foi criada pela brasileira Wortex. A máquina de reciclagem não faz a compactação do plástico, como acontece nos processos-padrão, que tornam o plástico mais frágil. E ainda retira os gases emitidos durante o processo, que podem contaminar o produto. A reciclagem garante a qualidade original do plástico e economiza energia. 

10. Termelétrica limpa 
Energia solar até durante a noite

A usina termodinâmica Arquimede, do grupo italiano Enel, usa o calor do sol para gerar energia. A novidade é que a usina gera energia também à noite. A luz captada por painéis solares aquece um líquido feito à base de sais, que mantém o calor por mais tempo. Esse calor continua gerando energia mesmo durante a noite. Isso reduz a necessidade de baterias para estocar a eletricidade gerada durante o dia. A usina foi inaugurada no ano passado


A EVOLUÇÃO HUMANA ACELEROU?
Ilustração Shutterstock

Se você tem olhos azuis, pode se considerar um mutante. Em sua companhia estão 300 milhões de pessoas, um em cada 20 humanos. Os outros 19 têm olhos castanhos, verdes ou cinza. Os olhos azuis são relativamente recentes. A mutação que lhes deu origem surgiu no Leste Europeu, entre 6 mil e 10 mil anos atrás. Não se sabe a razão pela qual ela se disseminou. Seria porque olhos azuis são bonitos? Não se sabe. Eles se espalharam rapidamente pela Europa, dominando o norte do continente. Hoje, as pessoas de olhos azuis formam uma minoria expressiva da humanidade – demonstrando, de forma prática, que as mutações de nossos genes não pararam no tempo. Ao contrário. Segundo alguns pesquisadores, à medida que a população humana cresce, a evolução da espécie se acelera. Eles acreditam que somos todos mutantes – e que mudamos com rapidez cada vez maior.
Nem todos, porém, concordam com essa idéia. “Não ocorreu nenhuma mudança biológica nos humanos em 50 mil anos,” escreveu em 2000 o zoólogo americano Stephen Jay Gould (1941-2002). “Tudo o que chamamos de cultura e civilização, nós construímos com o mesmo corpo e o mesmo cérebro.”A origem desse ponto de vista pode ser traçada ao clássico A descendência do homem, de 1871. Nele, Charles Darwin descreveu o Homo sapiens sob a ótica da seleção natural. O que resultou foi um macaco que não era forte como as feras que o perseguiam nem ágil como seus primos das árvores. Mas era inteligente. Bastou essa arma para que, 10 mil anos atrás, inventássemos a agricultura, domesticássemos animais e formássemos as primeiras cidades. Segundo a corrente majoritária de biólogos evolucionistas, ao trocar a imprevisibilidade da natureza pelo ambiente construído, nossos ancestrais eliminaram os fatores que pressionavam a adaptação da espécie ao meio. Nossa evolução teria congelado.
"A evolução humana se acelerou nos últimos 10 mil anos. Ela acontece 100 vezes mais rápido"
GREGORY COCHRAN e HENRY HARPENDING, antropólogos americanos
Se fosse assim, como explicar a mutação que produziu os olhos azuis? Como explicar a redução do tamanho de nossos dentes? Antes da agricultura, nossos ancestrais eram caçadores e coletores. O sustento diário era composto de frutas e raízes, daí a necessidade de dentes grandes e resistentes, capazes de morder cascas grossas e roer tubérculos.
E a tolerância à lactose? Há cerca de 6 mil anos, uma mutação genética permitiu aos filhos dos pastores da Europa Central continuar tomando leite depois da primeira infância. Adicionar à dieta um alimento rico como o leite garantiu a sobrevivência de muitos com essa mutação benigna. A produção de uma enzima capaz de digerir leite cru foi uma adaptação tão importante que se espalhou rapidamente pela Europa e para o mundo. Hoje, boa parte da humanidade se alimenta de leite sem problemas.
“A evolução humana se acelerou nos últimos 10 mil anos”, afirmam os antropólogos americanos Gregory Cochran e Henry Harpending, da Universidade de Utah, autores de A explosão de 10 mil anos – Como a civilização acelerou a evolução humana (2009, inédito no Brasil). “Em vez de desacelerar ou parar, a evolução acontece agora 100 vezes mais rápido do que nos 6 milhões de anos” da linhagem humana.
Trata-se de uma questão aritmética. Desde o surgimento da espécie, levamos quase 200 mil anos para somar 1 milhão de pessoas. Hoje, somos 7 bilhões. A população multiplicou-se por 7 mil. Com isso, aumentou na mesma proporção a probabilidade de surgir alguma mutação importante em um dos 255 bebês que nascem a cada minuto. Mutações são corriqueiras na natureza. Cada bebê tem cerca de 1.000 mutações em relação a seus pais. Elas surgem na fecundação, durante a combinação imperfeita dos genes do pai e da mãe. São mutações quase sempre inócuas. Raramente surge uma que pode gerar malformação congênita ou uma doença genética. Muito mais raramente ainda aparece uma mutação benéfica. Imagine um bebê com um gene mutante que confere mais resistência aos raios ultra-violeta ou à poluição do ar. Essa criança terá menores chances de desenvolver câncer de pele ou sofrer de asma. Quando adulto, poderá viver mais, ter mais filhos e passar a mutação benéfica às gerações futuras. A esperança de evolucionistas como Cochran e Harpending é que o aumento da população vá produzir mais e melhores mutações entre nós.
Circula entre esses evolucionistas a hipótese de que o crescimento populacional, associado às mudanças do modo de vida, produza incremento da inteligência humana. Sabe-se que ela tem um forte caráter hereditário. Quando vivíamos no mato, era natural que a mulher escolhesse o pai de seus filhos entre os guerreiros mais fortes – ou fosse escolhida e dominada por um deles. Hoje, numa civilização tecnológica, o que conta é o cérebro. Qual mãe não sonha ter filhos inteligentes? Vivemos o primeiro momento na história em que o cérebro se tornou mais sexy que os músculos. Caso esse padrão persista, quantas gerações serão necessárias para sermos todos gênios? Uma meia dúzia de séculos pode dar conta do recado. “Se os pais da próxima geração forem um pouco mais inteligente que a média, a próxima geração será levemente mais inteligentes que a atual”, dizem Cochran e Harpending. Pode não ser verdade, mas trata-se de uma ideia animadora.


NÃO EXISTE ENERGIA 100% LIMPA
 Tobias Schwarz/Reuters e Giuseppe Bizzarri/Folhapress
ESCOLHAS
Protestos contra a energia nuclear na Alemanha e usina de cana no Brasil. Fontes potenciais de energia que não poluem a atmosfera
A discussão sobre o risco de manter usinas nucleares como fonte de energia está encerrada na Alemanha. Na semana passada, uma coalizão dos três principais partidos alemães, sob o comando da chanceler Angela Merkel, decidiu que, até 2022, o país não usará energia nuclear. O debate sobre os riscos à segurança é antigo na Alemanha, mas ganhou uma repercussão inédita depois do acidente com a usina de Fukushima, no Japão. A medida atende aos anseios de boa parte da população. No dia 28 de maio, milhares de pessoas se reuniram em Berlim contra as usinas nucleares. Mesmo popular, a decisão tem um preço ambiental. Em um país com poucas opções energéticas como a Alemanha, desligar os reatores deve significar queimar mais carvão e gás natural nas usinas termelétricas do país. Isso aumentaria as emissões dos gases responsáveis pelas mudanças climáticas, a maior ameaça ecológica de hoje.
O dilema alemão mostra como é complexa a busca por energia em um mundo que consome cada vez mais, e enfrenta constrangimentos ambientais. Não existem soluções ideais. Nem entre as fontes consideradas mais limpas. Usinas hidrelétricas enfrentam resistências ambientais por seus impactos nos rios e nas florestas. A energia solar ainda depende de subsídios. As usinas eólicas usam grandes áreas e podem afetar aves migratórias. Diante da ameaça do clima, os países terão de, em alguns casos, assumir algum sacrifício ambiental. E, na falta de uma solução perfeita, distribuir a geração de energia em várias fontes diferentes. “Assim você dilui o impacto de todas elas”, diz o alemão Mario Tobias, secretário-geral do Instituto para Estudos Avançados de Sustentabilidade, sediado na cidade de Potsdam.
O Brasil está em uma posição mais confortável do que a maioria dos países do mundo. Mas não fica isento de decisões difíceis. A mais debatida delas hoje é a usina hidrelétrica de Belo Monte. Na semana passada, o Ibama autorizou a construção da hidrelétrica, apesar das críticas dos ambientalistas. Por um lado, a usina produz energia com baixas emissões poluentes. Em compensação, ela vai alterar o curso do rio e poderá alimentar o desmatamento na região. Essa derrubada da floresta é a principal contribuição brasileira para o aquecimento global. Para alguns especialistas, qualquer grande obra gera alterações ambientais. “Há impacto na instalação de qualquer usina energética”, afirma o físico Luiz Pinguelli Rosa, diretor da pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Mas construir uma barragem é melhor do que queimar carvão ou gás. No Brasil, há uma burrice endêmica contra a hidrelétrica.”
Uma alternativa para o país é aproveitar melhor o potencial das usinas de cana para também gerar eletricidade. Elas podem queimar a palha e o bagaço da cana, geralmente usados para cobrir o solo ou produzir adubo. Se usadas para gerar energia, essas fontes orgânicas não contribuem para o aquecimento global. Isso porque o gás carbônico emitido pela queima da palha e do bagaço é compensado pelo que a planta retira do ar enquanto cresce. É a mesma lógica que se faz do etanol dos carros, também derivado da cana, um combustível que não contribui para o aquecimento global.
Um novo estudo feito pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única) mostra que apenas 100 das 438 usinas de cana brasileiras produzem também energia elétrica. Segundo o presidente da entidade, Marcos Jank, se todo o potencial energético ocioso do setor fosse explorado, as usinas gerariam, até 2015, um adicional de energia ao país equivalente a uma nova Itaipu. “Em 2020, poderíamos produzir o equivalente a três Belo Montes”, afirma Jank. Atualmente, a eletricidade da cana é responsável por 2% da produção brasileira. Se recebesse mais investimentos, essa participação passaria a 15% ao final da década. O desafio é estimular a expansão da cana sem incentivar novos desmatamentos para o cultivo em remanescentes de cerrado, como em Goiás e em Mato Grosso do Sul. As áreas disponíveis para aumentar os canaviais estão se esgotando. O Brasil, assim como o planeta, ficou pequeno.

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